Informativo: Julgamento sobre a ANS
Explicando os fundamentos técnicos apresentados no voto da Ministra Nancy Andrighi
Como noticiado pelo IBDS, em 23/02, foi retomado o julgamento sobre a natureza do “Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde” estabelecido pela ANS, se taxativo (cobertura dos planos de saúde seria restrito aos procedimentos listados) ou exemplificativo (a cobertura abrangeria procedimentos não listados que sejam prescritos ao paciente/segurado).
Abrindo divergência ao Ministro Luis Felipe Salomão, relator dos processos (EREsp 1.886.929/SP e EREsp 1.889.704/SP), que entende que, em regra, o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde criado pela ANS é taxativo, a Ministra Nancy Andrighi votou que referido rol deve ser considerado meramente exemplificativo.
Para a Min. Andrighi, a determinação criada pelas Leis 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) e 9.961/00 (Lei da ANS), que outorga à ANS a atribuição de elaborar do rol de procedimentos, é um fenômeno político-jurídico conhecido na doutrina como deslegalização.
Amparada por grandes estudiosos como Diogo Ferreira Moreira Neto, José dos Santos Carvalho Filho e Leila Cuéllar, a Ministra explicou que a deslegalização significa que o legislador tão somente concede uma autorização para que agências regulamentadoras criem normas técnicas sobre determinados temas, que sempre devem seguir os limites da lei e os princípios de direito que lhe são superiores, principalmente a Constituição Federal, e demais leis infraconstitucionais, como o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, a função das normas regulamentares é o preenchimento, à luz dos critérios técnicos, de espaços normativos deixados em aberto pela legislação, não a criação de novos espaços. Demonstrando que o seu entendimento é amparado por diversos julgados do STF, a Ministra explicou que as normas regulamentares são regras novas e não direito novo.
Navegando por dispositivos da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, o voto demonstrou que o ordenamento jurídico dá protagonismo à pessoa humana e não ao lucro. Dessa forma, embora o lucro seja desejado, ele não pode ser protegido pela agência reguladora em detrimento do interesse público e das normas de hierarquia superior, que garantem a proteção à pessoa (consumidor-aderente).
Ao analisar especificamente a Lei dos Planos de Saúde, a Ministra concluiu que a legislação estabeleceu, no art. 10, quais são as doenças cobertas pelo plano de saúde – as listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde – bem como as modalidades dos planos (segmentações assistenciais).
Seguindo essa lógica e embasada na doutrina sobre o tema, a Ministra afirmou que não caberia à ANS, ao regulamentar o “Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde”, restringir, ainda mais, a cobertura dos planos de saúde, em prejuízo aos consumidores aderentes.
Concluiu, portanto, que “não cabe à ANS estabelecer outras hipóteses de exceção de cobertura obrigatória pelo plano de referência além daquelas especialmente previstas pelo art. 10, assim como não lhe cabe reduzir a amplitude da cobertura, excluindo procedimento ou eventos necessários ao pleno tratamento de doenças listas na CID, ressalvados, nos termos da lei, as limitações impostas pela segmentação contratada.”
E declarou que cabe à ANS “detalhar os procedimentos e eventos listados pelo legislador” e “pormenorizar a amplitude da cobertura do segmento de cada contratação”. A indicação do melhor tratamento para cada caso, por sua vez, deve ser determinada pelos médicos, que conhecem as peculiaridades de cada paciente. Assim, para adequar o rolestabelecido pela ANS aos critérios da Constituição Federal e demais normas legais, é necessário considerá-lo exemplificativo, ou seja, uma referência tanto para as operadoras dos planos de saúde, quanto para os profissionais e os beneficiários do tratamento, e não um limite para a cobertura.
Diante do empate, um voto pela taxatividade e outro não, os demais Ministros da Segunda de Seção de Direito Privado pediram vista coletiva do processo para estudarem cuidadosamente os argumentos apresentados. De acordo com o art. 162, §2° do Regimento Interno do Tribunal, os Ministros têm o prazo de 60 dias para dar continuidade ao julgamento.