Nada está perdido si se tiene el valor de proclamar que todo está perdido y empezar de nuevo
Diante da pesarosa notícia sobre o falecimento do professor Rubén S. Stiglitz, reproduzimos o discurso em sua homenagem proferido pelo Presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, Ernesto Tzirulnik, na abertura do VII Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho.
Na ocasião, também foi reproduzido vídeo com depoimentos de renomados juristas que foram tocados pela obra do saudoso professor, cujo conteúdo pode ser visto abaixo:
“O PLC n° 29/2017, que tudo indica irá vingar, Professor Rubén Stiglitz, também é seu. Tem a sua colaboração e a de muitos como o professor, uns presentes, outros não.
Um dos que não podem falar no dia de hoje, o Flávio Queiroz, eu peço me permita coloca-lo aqui no peito, para ambos representarmos o IBDS nesta homenagem.
Só por isso, por ter a genética de bons homens como o professor, o bom combate, até que acabe, será imenso e intenso.
Imenso e intenso como Rubén Stiglitz tem sido e continuará sendo para o IBDS. Imenso e intenso como é imensa e intensa a gratidão que todos nós temos para com o Professor, amigo, companheiro Rubén Stiglitz.
Não vou aqui me estender sobre o seu currículo. Nem sei se conseguirei seguir o discurso com formalidades. Posso chama-lo Lito, é certo?
Lito, sabemos que você é um advogado que muito jovem se deparou com duas maravilhas.
A primeira e mais valiosa, foi a nossa tão querida Kety, por quem você ensina o que é ter devoção e com quem se juntou para partilhar com o mundo tão belos frutos como são os teus filhos e netos.
Aqui estamos agraciados com a presença tão honrosa do teu filho primogênito, Gabriel Stiglitz, para a redundância familiar um jurista de tão grande envergadura como o pai.
Tomo-o como exemplo das tuas construções com a Kety e valho-me, para isso, da homenagem que o prefeito de La Plata fez a Gabriel Stiglitz como professor de direito civil e construtor de sistemas de direito do consumidor na Argentina e no mundo. Disse ele:
Gabriel es hoy el presidente del Instituto Argentino de Derecho del Consumidor y el especialista más importante que cuenta la Argentina en esta materia. Gabriel ha dedicado su vida a la defensa de los derechos de los demás. Es decir, se ha dedicado a los otros, tratando de formar conciencia, doctrina y legalidad a favor de la dignidad de los consumidores que es lo mismo que decir que se ha dedicado a construir ciudadanía. Gabriel es (…) un hombre valioso de la sociedad. Más allá de sus innumerables libros, sus artículos y todo tipo de publicaciones, su labor académica, sus proyectos de ley que son leyes, este hombre intenta convencer al ciudadano de que puede lo que cree que no puede, de que le corresponde lo que cree que no le corresponde, que debe hacer lo que muchos creen que no se debe hacer. Difícil su tarea en una sociedad que ha sido atropellada de todas las formas posibles. Gracias Gabriel por fundar en este Bosque la idea del derecho de las personas a la verdad, a la dignidad, al buen trato y a la justicia.
Obrigado Gabriel!
Lito, a segunda maravilha com a qual você se deparou na mais pujante das idades, foi o seguro. O contrato de seguro.
O sólido “patrimônio familiar construído” não é diferente do patrimônio profissional e político que edificou desde os 22 anos de idade, quando obteve o título de advogado e foi trabalhar na companhia de seguro da qual logo se tornou gerente jurídico.
A tão bem-sucedida vida acadêmica veio décadas depois da riquíssima experiência na companhia de seguros, acompanhando por toda a Argentina os debates e os desenvolvimentos dos conflitos securitários e coordenando os trabalhos dos advogados externos.
Você é um jurista que compreendeu o direito porque compreendeu a vida e compreendeu como o direito acontece de verdade. Certamente essa sensibilidade e experiência, envoltos pelo caráter firme e reto, pelos bons princípios que o forjaram, lhe tornaram melhor jurista e professor, para os alunos e para a sociedade.
Assim é que se destacou dos demais o Professor Titular de Direito Civil III “Contratos” da Faculdade de Ciências Jurídicas y Sociais da Universidade Nacional de La Plata (1989-1996) e da Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, onde você é Professor Emérito!
Foi assim, com lutas imensas e intensas, que se tornou, sem dúvida alguma, um dos mais relevantes pensadores do direito obrigacional e do direito do seguro não apenas na Argentina, mas no sistema do direito civil continental.
Suas obras falam por si. Bem cuidadas, imantam os pesquisadores e encantam os críticos. Mais do que justa, pois, a atribuição do “Premio Academia Nacional de Direito e Ciências Sociais de Buenos Aires” ao seu “Derecho de Seguros”, como a melhor obra jurídica editada em 1997 e 1998. Num país que é celeiro de eminentes juristas e que tem tão grande produção bibliográfica em diversas áreas do direito, esse reconhecimento é realmente muito importante.
Lito, você era conhecido de todos nós, líamos seus livros de direito do seguro e direito contratual. Líamos também Gabriel Stiglitz, sobre direito do consumidor. Gabriel está pelo Código de Defesa do Consumidor Brasileiro como você está para o nosso PLCS.
E como esse tão grandioso jurista se aproximou do IBDS?
Contarei o nosso lado da história.
Não nos conformávamos com o fato de que você não se apresentava nos encontros internacionais do direito do seguro, mesmo naqueles dos quais fomos participar na Argentina.
Tantas vezes perguntamos às delegações da Argentina e de outros países e a resposta era a de que você era um jurista de muito difícil relacionamento, que não participava porque não queria participar de congressos securitários.
Quando no ano 2000, num evento em Cartagena de Índias, na Colômbia, lançamos o IBDS, dissemos que organizaríamos para dali uns meses um congresso em São Paulo, para o qual o convidaríamos. Disseram que estávamos loucos, piantao, piantao, e nem deveríamos perder tempo, pois você certamente não compareceria. Sugeriram-nos nomes alternativos.
Queríamos Stiglitz.
Ousamos e certamente o seu foi o mais simples e rápido “sim, eu aceito”. Que alegria! E como foi tão fácil conviver com você, e como foi tão proveitosa essa convivência, como alunos, como companheiros de luta por um Direito do Seguro mais justo e democrático, e como amigos que frequentam os lares, uns dos outros, e sentem não poder estar sempre e cada vez mais perto.
Lito, o nosso encontro doutrinário, eu já disse, foi em 1980. Eu era estagiário de Direito e a minha filha Ilana havia acabado de nascer.
Depois, Rubén Stiglitz cresceu em nossas vidas. Citávamos sempre, compreendendo o que citávamos ou turbados pela viseira posta na vida profissional a serviço de uma das partes do contrato de seguro.
Até que, naquele ano, em 2000, você engrandeceu muito o nosso I Fórum.
Em seguida, em 2001, novamente trouxe conteúdo ao II Fórum que realizamos em Porto Alegre.
Logo depois, em 2001 também, abrilhantou o primeiro seminário do IBDS e da Escola Paulista da Magistratura: uma semana inteira no “Seguros: uma questão atual”.
Em 2003 novamente trouxe muitos ensinamentos para o Brasil, no III Fórum do IBDS, cuja palestra de abertura lhe foi confiada.
Também em 2003, com irrepreensível rigor e genialidade, preparou e ministrou na sede do IBDS um curso de longa duração sobre o Contrato de Seguro no Código Civil de 2002. Foram muitos meses, praticamente o tempo de uma gestação. Aulas e aulas. Convidávamos as Escolas da Magistratura para acompanhar. A AJURIS, do Rio Grande do Sul, foi a mais presente. Os desembargadores, após interagirem com você, terminavam encantados com o contrato que sempre encararam como o “pato feio”.
Até hoje ouço advogados e diretores de seguradoras, resseguradoras e corretores de seguro dizendo que aquele foi um dos mais importantes instrumentos que utilizaram nas suas vidas profissionais.
Em 2004, no IV Fórum, em Brasília, você ofereceu mais injeções de boa doutrina que ajudaram a melhorar bastante o PLCS.
Em 2014, novamente em Brasília, no Congresso Internacional de Direito do Seguro realizado no Superior Tribunal de Justiça pelo Conselho da Justiça Federal, conjuntamente com o VI Fórum do IBDS, foi grande e sentido o apoio desse jurista e parceiro solidário que você é, comprometido com a construção, em nosso país, de uma lei de contrato de seguro para todos, uma lei que realmente promova a solidariedade e não a exclusão.
Com essa lei que se espera seja entendida por qualquer advogado, acabando com a caixa de pandora. Essa lei que se espera transforme o seguro em instrumento de liberdade. Que possa evitar a maioria dos conflitos frequentes. Que amarre o seguro um pouco mais à sociedade e ao desenvolvimento brasileiros.
Se ainda não chegamos ao final dessa jornada legislativa, e se ela se fizer ainda mais difícil, nós levaremos adiante a lição que nos deu: quando não há mais nada, é necessário recomeçar.
Afinal, como já disse uma Rosa “quem não se movimenta não percebe as correntes que o aprisionam”.
Aprendemos que as lutas sempre recomeçam. Aprendemos que se com a aceitação irrestrita alguns conseguem ganhar mais dinheiro, e mais facilmente, no fim, esses “vencedores” perdem a liberdade e o sentido, perdem a consciência. Morrem em vida.
Querido Lito, você é o nosso Don Quixote, o que nos ensina que “la libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierra la tierra ni el mar encubre; por la libertad, así como por la honra se puede y debe aventurar la vida, y, por el contrario, el cautiverio es el mayor mal que puede venir a los hombres.” (Don Quijote, Libro II, LVIII).
Amigo Stiglitz, somos os seus escudeiros que apreenderam que o exercício de qualquer profissão também é muito mais do que a aptidão, o desembaraço ou a destreza com as técnicas dessa profissão.
Apreendemos que nossa militância profissional contribui para a formação da experiência normativa da sociedade, fazendo prevalecerem ou serem desmontadas práticas e concepções.
Apreendemos que pouco importa se dificuldades iniciais são opostas a quem pensa para o futuro da sociedade e não egoisticamente para o sucesso e o conforto próprios, imediatos e efêmeros.
Com o teu exemplo, Ruben Stiglitz, e o exemplo do Gabriel Stiglitz, ambos forjados à sombra da frondosa Kety, estaremos preparados para lutar, com o Direito, por uma sociedade melhor, sejam quais forem os desafios.
Jamais seremos mineradores de conforto!
Obrigado Maestro!”
Ernesto Tzirulnik
18 de outubro de 2017